Som de orgulho
Conto publicado originalmente na Revista Crescer.
Ilustração: Daniel Lourenço

“Um tambor velho?”
Foi a pergunta que ouvi na escola. Tem pergunta que não tem só ponto de interrogação, tem maldade.
Essa ainda tentava dar rasteiras. Eu, na frente da classe, sozinho, com o instrumento. Todo os olhos rindo de mim.
Era dia de levar brinquedo, alguma coisa que a gente gostasse. Eu pensei, pensei e pensei de novo. Levo vídeo-game? Gibi? Livros? Bola? Decidi por ele.
“O que faz esse tambor?”
Primeiro, não é um tambor qualquer. É atabaque. Era o brinquedo do meu avô antes de ele poder tocar em um instrumento sagrado.
“Ele era músico?”
Não. Advogado. Neto de africanos. Lia muito, escrevia demais e tocava todos os sons possíveis.
Antes que viessem mais perguntas doídas, fiz o atabaque responder. Ele estava irritado.
Comecei a tocar e a magia aconteceu. Todo mundo viajou comigo. Fomos até a África, vimos reinos e famílias. Assistimos ao nascer da música brasileira. Bahia. Rio. Recife. Vimos religiões. A inteligência de quem soube resistir.
Parei de tocar. Voltamos da viagem. Alguém ainda acha que isso é um tambor velho?
“É brinquedo. É máquina do tempo. É professor de história. É instrumento. É mágico.”
Até que a insuportável menina, que sempre tirava sarro de mim, disse:
“Deixa eu brincar com ele?”
As perguntas tinham mudado. Continuavam com ponto de interrogação, mas agora tinham alegria. O tambor me encheu de sons e orgulho.
Luiz Antonio é escritor, autor dos livros Minhas Contas e Uma Princesa Nada Boba. Foi indicado ao Prêmio Jabuti em 2008, está no Catálogo White Ravens 2012 e recebeu o Prêmio 30 Melhores Livros Infantis do Ano da Revista Crescer.